quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ode ao infortunado








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És um ser humano como todos nós
Mesmo que não tenhas casa
Que mores debaixo da ponte
Que passes as noites ao frio
Serás sempre criatura divina
É assim que te vejo amigo


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És filho de uma mãe
Ela te gerou como qualquer outro
Te amou quanto ela
Te beijou e afagou de mansinho
Se pouco ou nada tens
Só o deves ao infortúnio do destino


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Quantos passam por ti
Naquela rua mal iluminada
Olham para a caixa de cartão
Nem sabem que estás dentro
Que foges à angustia de ser visto
Por te sentires à margem da vida

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De corpo magro e escanzelado
Arrastas-te pela calçada
Estendes uma mão suja
Pedes tristemente baixinho
Tens fome e talvez sede
Anseias ainda mais por um carinho


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Como a sociedade é ingrata
Possivelmente perdeste o emprego
A família a quem amavas
Não sabe que existes
Que passas o tempo a chorar
Que apenas lembras coisas tristes


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Quem me dera poder compreender-te
Clamar que tudo isto é injusto
Mas de que me vale bradar alto
Se aqueles que deviam proteger-te
Não vêm, não ouvem, não sentem
Passam indiferentes a tudo!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Novo ou velho












Ano novo que despontas do breu
És recebido com luzes de mil cores
Doze badaladas dão o tom do céu
Para abrir bebidas de doces sabores



O champanhe jorra em cascatas
Bebido por sedentas e roucas gargantas
Ouvem-se cânticos ao som de latas
Em volta do lume até ás tantas



Chegas envolto em manto de neve
Aconchegado pelo gélido ar da noite
Ouves os desejos de quem nunca teve
Casa, agasalho ou lugar onde pernoite



Os ricos comemoram-te em belas salas
Comem, dançam e entoam canções
Os pobres esperam algumas migalhas
Pulam, sorriem e lançam balões


Nasces de noite e começas de dia
Vives doze meses intensos
Afagas os dias como uma melodia
Embalas os minutos imensos


És novo e não prestas vassalagem
Tens orgulho em ser diferente
Esqueces que serás uma miragem
No fim acabarás velho eternamente


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Florbela Espanca

Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca, «Charneca em Flor», em «Poesia Completa»

Nota: Embora habitualmente utilize este espaço apenas para a emissão de poesias de minha autoria, abri uma excepção para colaborar na homenagem à grande poetisa portuguesa Florbela Espanca, na blogagem colectiva promovida pela Flor, interlúdioenflor. Este é um dos poemas de Florbela Espanca que mais admiro e que dedico a todos que gostam de poesia.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Imaculada











Maria, mulher escolhida por Deus
De graças infinitas cumulada
Fiat selaram lábios teus
Nós te veneramos imaculada
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Nasceste humilde e ornada de virtude
Recatada foi tua vida terrena
Teu coração ama a verdade
Na comunhão com Deus és plena
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És virgem e serás sempre
A graça do Senhor assim o permitiu
Cristo escolheu o teu ventre
Viveu, morreu e partiu
*****

Acolheste a Sua missão
Da tua vida fizeste oferta
Com Ele pactuaste uma união
Salvar a humanidade da morte certa
*****

Com Ele pregaste, sofreste e amaste
De forma silenciosa e discreta
Fazei tudo o que Ele disser, aconselhas-te
Foi a forma de traçar a meta
*****

Imaculada, apesar de Mãe do Filho
Pelo poder do amor divino
Ampara-nos na procura do nosso trilho
Ao encontro do Deus uno e trino
Com João Paulo II: Totus Tuus Maria
Dia 8 de Dezembro comemoramos o dia de Nossa Senhora da Conceição. Aqui fica uma homegem em forma de poema. ES

sábado, 15 de novembro de 2008

Brisa










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Brisa que se sente e não vê
Corrente suave que nos afaga
Qual livro quando se lê
Mesmo sabendo que é uma saga

Ar provindo de sul ou norte
Portador de novas desconhecidas
Algumas desejando-nos sorte
Outras vão deixar-nos feridas

Ansiamos pelo teu toque no verão
Debaixo de um sol escaldante
Nossos sentidos acalmar-se-ão
Como uma vaga suavizante

Teu odor é desconhecido
Tua presença sempre sentida
Mas se estiveres adormecido
Minha alma está sem vida

Quando te encontras em acalmia
És como mulher ardente
Mas se sopras ventania
Levas tudo e todos à frente

Estando bonançoso és afável
Fazes sonhar mesmo de dia
Em mar alteroso és intratável
Crias tsunamis em cada dia

Teu criador fez-te insensível
Usa-te como lhe aprouver
Aceita que sejas incompreensível
Como capricho de mulher

Eu quero recordar-te para sempre
Como brisa fustigando as aves
Como o som de água corrente
Em tom musical só de graves

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

MULHER




Mulher, simplesmente mulher
Deus te criou diferente do homem
Ele te ama na profundeza do seu ser
Tu o completas e amas também
Luís de Camões te cantou
Teu amor descreveu e louvou

Mulher que do nada foste ser
No teu regaço aconchegaste o amor
Choras à noite e ao amanhecer
Ris sem qualquer temor
Abraças a vida que recebeste
Irradias raios de luz celeste

Mulher de beleza imortal
Com alma que resplandece em teu corpo
Teu ser dá vidas à vida total
Embalas um nada morto
Sofres amargamente do desconforto
De uma vida tornada deserto

Mulher que de feminino tens tudo
Sentimentos mil albergas
Lutas com espadas de veludo
Não feres, mas tapas chagas
Abres com ternura corações alheios
Desabrochas todos os anseios

Mulher de odores e fragrâncias incolores
Perfumas as pedras do caminho
Soltas brados de dores
Quando teu pé pisa cada espinho
Espinho de uma rosa que murchou
E de uma vida que se finou

Mulher que amas sem pensar
Acolhes sem nada pedir
Abraças teus filhos a chorar
Morres ao vê-los partir
Recebes rosas em preito de homenagem
Recolhes sempre a sua mensagem

Mulher que do amor fazes pão
Com água matas a sede alheia
Mulher que nunca aceitas um não
De quem teu coração incendeia
Da luta do porvir és semente
Serás mulher, mas mulher para sempre

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Sofrer e amar


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Poesia, afinal o que será?
Responde-me se és capaz
Eu não sei explicar o significado
Sinto-a, vivo-a, mas desconheço onde está
Acaso será verdadeira ou fugaz?
É real, pois afirmar o contrário seria pecado
Através dela transmito-te o que penso
Dirá que sofro profundamente
Sim, este pobre coração angustia-se
Range de dor em ver-me submerso
Abate-se, esbugalha-se e fica inerte
Mas ao receber o teu sorriso, esvai-se
Dirá ainda pausadamente
Choro por te ver assim
Esse sorriso é vago e sem brilho
A tua indecisão revela ausência de mim
Até quando minha flor de lis terei um caminho sem trilho?
Continuo só e triste, mas confio em Deus e em ti serenamente
Poesia encerra alegria e tristezas
Quantas vezes verdades duras e amargas
Exprime a dor, amor, esperança e desejo
De tudo aqui encontras, assim prevejo
Repara no meu coração cheio de promessas
Reflecte, vê e dá-me tuas venturas
Poesia é imaginar-te qual borboleta voando
Pousando aqui e além, mas continuando a esvoaçar
Detém-te e escuta os lamentos meus
Este coração sente-se alvoraçar
Vem e dá-lhe o teu amor infindo
Então voaremos os dois para junto de Deus

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Esta poesia fui buscá-la ao meu baú de recordações. Floresceu no ano de 1965